(axonometria do jardim dos poetas - plano de reabilitação e salvaguarda do centro histórico de Ponte da Barca, 1988)
Em Ponte da Barca havia uma linda rapariga que adormeceu ao sol e ficou com uma grande marca da roupa no corpo. Por vergonha, passou o resto do Verão sem se despir e a marca passou a notar-se ainda mais. No verão seguinte, de tão grande que foi a marca do ano anterior, ainda se notavam as marcas do sol e da falta dele. Decidiu repetir o processo e passar mais um Verão sem tirar a roupa. O ciclo repetia-se. Ninguém era alheio à sua beleza, embora todos estranhassem que a rapariga nunca se despisse junto ao rio. Até que um dia, a rapariga, cansada de se esconder, decidiu tirar a roupa e todos apontaram o dedo às marcas do sol. A sua pele branca, com manchas avermelhadas e borbulhas, contrastava com os braços queimados. No entanto, passado uns tempos, a rapariga recuperou a sua pele dourada e todos se rendiam à sua beleza.O jardim dos poetas é essa bela rapariga que, farta de se esconder, acabou por tirar a roupa. Na Barca, paira um discurso popular negativo sobre o despido "jardim dos Poetas", sem árvores. A mim, cabe-me mais uma vez ser do contra e defender a "pobre rapariga despida".
As marcas de uma frente de quarteirão que durante dezenas de anos não apanhou sol são visíveis. A humidade acumulou-se, os fungos propagaram-se, a degradação alastrou-se e as construções clandestinas ergueram-se, tudo camuflado pelas grandes árvores que alguns, menos informados, chamavam de centenárias.
As construções ilegais já estão a ser demolidas. O quarteirão vai regenerar-se. Os bares vão reabrir e manter-se abertos. Vai haver sol na esplanada. Vai haver árvores e vai haver jardim. Os concertos exteriores vão voltar.
No final, todos se vão render à beleza da rapariga.
(demolição em curso de uma construção ilegal)
(Jardim dos poetas nos anos 30(?))
(Jardim dos poetas ainda com casas no inicio do século XX)