NEO MODERNO VS NEO RÚSTICO




Depois do advento, da prosperidade e do apogeu do neo-rural que pontuou a paisagem construtiva arquitectónica corrente, com zénite na segunda parte dos anos 90, o novo-riquismo arrivista vai adaptando o seu cânone arquitectónico a linguagens mais consentâneas com uma qualquer ideia de sofisticação e de modernidade.
Privados e anónimos, que desejam aceder a imagens e a vivências contemporâneas e que querem uma casa de acordo com essa aspiração de status. Promotores, que já aí encontraram um nicho de mercado, filão por explorar e, em tempos de abrandamento da actividade imobiliária, modo de se destacarem das linguagens mais “tradicionais”. Arquitectos, que começam a ver no terreno o resultado do aumento exponencial de profissionais, que tentam assegurar a abertura a novas gramáticas arquitectónicas, apadrinhadas pelo mercado e mais de acordo com a “erudição” em que foram formados.

Não importa para aqui fazer uma sociologia desta apetência por uma “nova arquitectura”, importa, de facto, é o desejo de novas formas do habitar. E o sentimento de que a arquitectura lentamente adquire uma importância que antes não se sentia na paisagem. Mas corre-se o risco de substituir um arquétipo, rústico, na sua génese e forma e imagem, por um outro, pseudo-sofisticado, na sua forma e imagem, e ainda rústico, no seu habitar. É decisivo aqui o elemento crítico da arquitectura. E se a pobreza cultural que o neo-rústico encerra é por si só evidente, as aparências de modernidade que se disseminam pelo território obrigam-nos a uma leitura mais atenta. Leitura, diria, dos mesmos sinais de atraso cultural, embora dissimulado em modernidade.

A reprodução do cânone neo-moderno, sem a necessária reflexão estética e ética, multiplica-se pela paisagem. O excesso de consumo de modelos próximos – as casas de Souto Moura, as massificação das palas Siza Vieira, a arquitectura “chã” e “silenciosa” que um paralelepípedo pintado a branco supostamente propicia, caixilharias mínimas, vãos máximos – num afã a-crítico, origina equívocos tanto de natureza ética como construtiva e estética. O erro é claro a partir daqui: fundem-se e confundem-se imagens sem a densidade, por exemplo, das arquitecturas acima mencionadas; manipula-se o saber construtivo, como se estivesse ao alcance de qualquer um utilizar o tipo de acabamentos que Souto Moura utiliza, e que são, até certo ponto, centrais no seu pensamento; “inventam-se” pastiches sem qualquer significado, espessura e densidade cultural e arquitectónica que não apenas a tradução exacta em tectónica desse mesmo provincianismo cultural. Porque tudo aqui soa a falso e postiço como no neo-rural anacrónico: a suposta instabilidade dos tempos é um mero jogo de intersecções de formas “puras”, o contextualismo e pretenso regionalismo é a forra de viroc “a imitar madeira” e o revestimento em pedra a imitar pedra. Mero jogo de aparências sem qualquer conteúdo, sem a produção de qualquer sentido, despido de intencionalidade crítica. Nem sequer a um passeio pela história e por imagens da arquitectura somos conduzidos. Apenas à evidência da preguiça, insegurança, desamor com muitos de nós, arquitectos, afirmamos a profissão.

A nova obsessão é ser-se moderno – modernaço -, sofisticado. Numa caixa branca, com Deus ausente dos detalhes.